No momento, você está visualizando A cela

A cela

Heitor 

Enquanto eu estava sendo escoltado pelos guardas rumo a minha cela temporária, eu não podia evitar um sorriso debochado em meu rosto, pois sabia muito bem como funcionava as leis brasileiras e do quanto elas eram pífias comparadas aos países de primeiro mundo como Estados Unidos e Europa. Embora eu não seja mais um menor de idade, o destino me deu uma grande benção em me deixar nascer em um berço de ouro. Afinal de contas, eu nasci em uma família cujo sobrenome valia mais que um bilhão de reais. Por conta disso, meus pais e eu contávamos com os mais experientes e mais caros advogados do país. Com certeza, eles darão um jeito de me libertar dessa prisão imunda, só porque eu decidi me livrar de uma vez por todas de uma garota que estava me enchendo o saco. 

O nome dela era Isadora e ela tinha quinze anos de idade. Ela não chegava a ser a menina mais bonita que já conheci, mas em compensação, ela tinha um corpo até que bonito. Eu me diverti horrores com essa menina e a diferença de nossas idades não era tão gritante assim. Afinal, eu ainda possuía dezenove anos nas costas. Ela também tinha uma forte atração por mim. Quem sou eu para culpá-la? Dediquei a minha vida toda para ter um corpo digno de qualquer ator de cinema juvenil e ainda tinha o rosto mais bonito de todos, com direito a olhos azulados como o mar mais belo desse mundo. 

Por um tempo, nosso relacionamento até que me deu um bom entretenimento. Porém, os problemas começaram conforme o nosso namoro progredia. Eu já não estava querendo ter mais nada com a Isadora, mas ela era insistente e chegou até mesmo a fazer um escândalo caso eu decidisse deixá-la, ameaçando tirar a própria vida e falando que jamais encontraria outro alguém igual a mim. 

Eu já estava ficando de saco cheio daquela situação. Nem mesmo quando decidi chamá-la de vagabunda pra baixo, de espancar ela e até mesmo violentá-la, ela não me deixava em paz um minuto sequer. 

Foi então que decidi acabar com tudo isso de uma maneira até que simples. Aproveitei o momento em que ela estava saindo da escola e fui até ela. Como sempre, ela esboçou um sorriso contagiante em me ver, mas isso não me impediu de sacar a faca que estava em meu bolso e fincar bem no centro do pescoço dela. É claro que todos os outros alunos ao redor dela entraram em pânico e é claro que ela caiu no chão agonizando por falta de ar até perder a vida, mas eu já não estava ligando, nem mesmo quando os outros alunos mais valentes vieram até mim me dar uma generosa surra e esperar a chegada da polícia. Tolos! Deviam ter aproveitado aquela chance para me matarem de uma vez por todas. 

Eu estava prestes a rir à toa, pois em poucas horas eu estaria livre e rindo da cara de todos aqueles que me odeiam. 

– Você ainda tem a cara de pau de querer debochar da gente, pivete? – questionou um dos guardas da detenção. 

– Eu não sei do que você está falando. – tentei mentir. 

– Não precisa se segurar mais, garoto – disse o outro guarda. – Sabemos muito bem que você quer rir da nossa cara pelo fato de seus pais serem ricos, não é? 

Naquela altura do campeonato, eu não consegui mais me conter. Comecei a rachar o bico de forma intensa diante deles, em um claro gesto de deboche. 

– Eu admito. – ainda estava rindo. – Eu estou com vontade de debochar de vocês. Quem vocês pensam que são para quererem me prender? Eu sou rico! Estou em um patamar bem mais alto que vocês, seus filhos da puta! Tenho o poder! Eu tenho influência! Sou indestrutível! Ninguém pode comigo, seus bostas! E querem saber de uma coisa? Eu espero que aquela vadia que matei esteja sofrendo horrores no inferno nesse exato momento. 

Um minuto de silêncio se passou. Por incrível que pareça, aqueles dois guardas não estavam com aquelas típicas faces de ódio, como se estivessem prestes a me dar uma generosa surra, como eu estava esperando. Muito pelo contrário. Eles pareciam calmos. Estranhamente calmos. Um deles parecia esboçar um sorriso tranquilo e ao mesmo tempo macabro. 

– Já acabou? – questionou o guarda sorridente. 

– Bom… Sim. 

– Pois bem. Pode vir conosco. – disse o outro guarda. – Temos uma cela especial para ti. 

Nós três andamos o resto do caminho sem falar mais nada. 

Demorou um pouco menos que cinco minutos para chegarmos ao nosso destino. De repente, um mal-estar se apoderou do meu corpo. Senti um calafrio repentino tomando todo o meu ser.  

Diante de nós três, estava uma cela bem escura, sendo iluminada apenas pelas inúmeras velas de cor vermelha que rondavam todo o local. A quantidade enorme de velas foi o suficiente para iluminar a presença de várias estátuas pequenas de demônios de todos os tipos. A maior delas e a mais macabra de todas era uma estátua de Baphomet. Demorou alguns minutos para perceber não apenas a presença de um homem no meio dessas estátuas, como também que ele estava ajoelhado diante da estátua maior, de costa para nós três. 

– Agora vem a pergunta – disse um dos guardas – Você tem visto os noticiários ultimamente? 

– Não. – respondi de forma tímida. 

– Pois devia. – disse o outro guarda. – Pois você está diante de Cipriano, um dos maiores assassinos em série que se tem notícias na atualidade. Ele sacrificava todas as suas vítimas pela glória do diabo. Ele não poupou nem mesmo os outros criminosos dessa cidade. Agora, você está prestes a ser incluído nessa lista, seu filho da puta. 

Eu logo percebi as reais intenções daqueles guardas e comecei a me debater o máximo que pude. Porém, os dois eram forte o bastante para conseguirem me colocar naquela cela escura e imunda. 

– Por favor, não me deixem aqui!! – bradei com todos os meus pulmões. 

Minhas súplicas foram inúteis, pois os dois guardam se afastaram da cela o mais rápido possível me abandonando a própria sorte. 

Não demorou nem mesmo cinco segundos para sentir um toque de uma mão quente em meu ombro direito atrás de mim. 

– Heitor Fernandes, não é mesmo? 

A sua fala profunda em meu ouvido me arrepiou. Como era possível que Cipriano sabia o meu nome? 

Antes mesmo de eu tentar reagir, Cipriano me fez virar em direção a ele com uma força brutal e intensa, no exato momento em que seus olhos estavam brilhando em um vermelho flamejante como chamas vindas do próprio inferno. Eu logo percebi que não era um homem qualquer que estava cara a cara comigo, mas sim uma outra coisa. Uma coisa que certamente queria se divertir com o meu sofrimento. Antes que eu pudesse gritar, Cipriano tapou a minha boca. 

– Você já devia saber que os seus gritos são inúteis aqui. – sua fala era estranhamente calma, fria e calculista. – Eu sei muito bem o que você fez, Heitor. De como você abusou, torturou e estuprou aquela que era a sua namorada. Mas não se preocupe. Tenho certeza de que ela está te esperando no lago de fogo, mas é melhor que tu saibas de uma coisa, garoto. O você fez com aquela jovem, tu vai sofrer igual ou até mesmo pior. 

O jeito calmo, frio e monótono que ele falava sobre a minha tortura me apavorava cada vez mais. No entanto, por mais que eu tentasse gritar e me debater, parecia que ele tinha forças para me segurar ainda mais. Era uma força sobrenatural que ele tinha. 

– Por favor, garoto. Você ainda terá a chance de gritar o mais alto que puder. Só ouça primeiro as minhas palavras. Desde o momento em que você foi detido, eu sabia muito bem que você seria colocado na mesma cela que eu. Durante esse tempo, eu estava me preparando mentalmente qual seria a melhor tortura para ti e tomei a decisão que será a tortura mais convencional possível, digna para qualquer assassino de crianças. 

Sem perder tempo, Cipriano usou os seus poderes demoníacos para me fazer levitar ao mesmo tempo em que me sufocava com a sua força sobrenatural. Eu não sabia como ele fez isso, mas de repente, senti os meus braços e minhas pernas quebrarem como se fossem meros pedaços de madeira podres que podiam ser facilmente quebrados com uma joelhada. Por mais que eu tentasse gritar, a força sobrenatural de Cipriano me impedia. 

O bruxo me soltou logo depois, sem nem ao menos me importar com os meus lamentos de dor. 

– Para… Para… – tentei implorar, sem ser capaz de olhar os próximos passos do satanista. – Me perdoe… 

– Seu pedido de perdão precisa vir de sua alma, garoto. – disse ele apaticamente. – Seus pais já ensinaram isso a você ou estavam ocupados com os seus tronos de pó? 

Eu era incapaz de responder aquela pergunta por causa da dor extremamente alta. Tudo o que os meus pais ofereceram para mim desde criança foram bens materiais. 

– Já é tarde demais para corrigir algo. -disse Cipriano. 

Logo, senti um líquido quente molhando o meu corpo. Meu sangue gelou na hora. Será que ele estava jogando… 

– É isso mesmo, Heitor – voltou a dizer o bruxo. – Já que a sua alma está destinada ao inferno, porque não começar logo a sentir o calor impiedoso das chamas percorrer o seu corpo? De uma coisa você pode ter certeza, garoto. As chamas do Hades serão muito mais forte das chamas que você vai experimentar agora. Adeus, Heitor!  E diga olá para a Isadora por mim!! 

Senti o fogo intenso consumir por completo a minha pele. Por causa dos meus membros quebrados, eu era incapaz de me debater ou correr. A única coisa que eu podia fazer era gritar a plenos pulmões.

*** 

Poucas horas depois 

O advogado 

Ao lado dos pais do meu cliente, corro a passos largos em uma tentativa desesperada de corrigir um erro que acabou de ocorrer. Poucos minutos depois de Heitor cometer aquela atrocidade contra aquela garota, os policiais que o prenderam em flagrante pareciam estar cegos de ódio contra ele. Tanto assim que o mandaram para uma cela onde Cipriano, um dos maiores assassinos em série da atualidade, estava ao invés da cela de uma delegacia mais próxima onde planejaríamos como livrar a barra do jovem. 

Particularmente, uma parte de mim gostaria que Heitor morresse ou coisa pior por causa do histórico abusivo do relacionamento dele com aquela garota. Ainda assim, eu era o advogado da família incumbido de achar qualquer brecha na lei para poder usar em sua defesa em troca de uma quantia generosa de dinheiro. Fazer o que? Eu sempre gostei de ter muita grana no bolso. 

Além dos pais de Heitor, que estavam desesperados em tentar resolver aquele erro, eu também estava acompanhado por mais dois guarda-costas de elite da família, como garantia de que nenhum detento, se estivesse algum, sequer sonhe em tentar fazer alguma coisa com algum de nós. 

De repente, quando finalmente chegamos a cela de Cipriano, a dona Viola soltou um grito alto e desesperador. O seu Cosme vomitou na mesma hora ao perceber a brutalidade que havia acabado de testemunhar. Os dois guarda-costas estavam apontando as suas armas para o alvo deles ainda tremendo em suas bases. Enquanto a mim, tive de testemunhar completamente paralisado a cena dantesca que se formou naquela maldita cela. Diante de todos nós, Cipriano estava se alimentando lentamente do corpo mutilado de Heitor, que por sua vez estava caído no chão, com os dois braços e as duas pernas quebradas e com o corpo ardendo em chamas, assim como a cela onde ele e Cipriano estavam. O próprio Cipriano também estava em chamas. Mesmo assim, o assassino não parecia se importar. Pelo contrário. Ele parecia estar alegre com o cenário brutal que acabou de orquestrar. Se não fosse pelos olhos vermelhos de fogo, sem sombra de dúvidas eu consideraria aquilo como a pior atrocidade feita por um ser humano, mas depois de contemplar aqueles malditos olhos, eu logo recordei-me dos vários avisos de minha mãe a respeito de demônios rondando a nossa terra.  

– Contemplem, meros mortais! – bradou Cipriano, com uma voz profunda e demoníaca. – Este é o meu trabalho! O trabalho de Satanás!! 

– ATIREM NESSE FILHO DA PUTA!! – gritou seu Cosme. – ATIREM LOGO, PORRA!!! 

Sem pensarem duas vezes, os dois guarda-costas gastaram até a última bala para colocarem fim naquele psicopata desgraçado. Eles tiveram sucesso. Eu contei exatamente doze tiros em todo o seu corpo antes dele cair no chão. Aquele era o fim. Um fim bastante brutal para uma vida inconsequente de um jovem. Um fim hórrido que parecia ter sido orquestrado pelo próprio Satanás. No entanto, o medo em mim ainda não se dissipou. Agora percebo que urinei nas calças por causa daquela cena tão horrenda. Dona Viola e seu Cosme estavam chorando no meu lado. Heitor era o único filho deles. Era compreensível o luto recente deles. No entanto, percebi um detalhe apavorante enquanto eu via o corpo mutilado de Heitor. Eu podia jurar que ele ainda estava vivo enquanto as chamas o consumiam por completo. A morte de Heitor foi lenta, atroz e infernal. Sem dúvidas, uma das cenas mais traumatizantes que carregarei sozinho pelo resto dos meus dias. 

Deixe um comentário